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Foto do escritorMirna Lomanto

A FOME OCULTA NA PARAÍBA: Barriga cheia e corpo vazio?

Por Thiago Lima, Ellen Chaves e Marcelly Ribeiro


É possível que o Brasil volte a ser um país referência internacional em políticas públicas e em avanços legais de combate à fome? Mais do que uma possibilidade, os dados do II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN), com foco em áreas urbanas e rurais dos 26 estados e Distrito Federal, mostram que isso é uma necessidade, sobretudo para os próprios brasileiros e brasileiras.

O relatório destaca o crescimento da pobreza, aumento da inflação dos preços dos alimentos e o desmonte das políticas públicas, que acentuam as desigualdades entre grupos sociais e regiões particularmente já impactados pela pandemia de Covid-19. Este conjunto de fatores prejudica a Segurança Alimentar e resulta em graus diferenciados de Insegurança Alimentar. A fome, no Brasil, são várias fomes.

Os dados principais da Rede estão separados em quatro categorias: Segurança alimentar – acesso regular e permanente aos alimentos; Insegurança Alimentar Leve – incerteza quanto ao acesso a alimentos e qualidade da alimentação comprometida; Insegurança Alimentar Moderada – quantidade insuficiente de alimentos; Insegurança Alimentar Grave – privação do consumo de alimentos, a fome.

Segundo esta classificação, mais da metade da população brasileira vive com algum nível de insegurança alimentar: 125,2 milhões de pessoas. Isso corresponde a três em cada dez famílias. No Norte e Nordeste essa estimativa sobe para quatro em dez. O percentual de pessoas em insegurança alimentar moderada ou grave no Brasil é de 30,7%. Porém, na região Nordeste o número agregado é de 38,4% e na região Norte, de 45,2%.

Considerando apenas a insegurança alimentar grave, que é o quadro mais severo de fome, a média nacional é de 15,5%. O estudo nos alarma ao destacar que Alagoas é o estado brasileiro com maior Insegurança Alimentar grave: 36,7% da população está passando fome. Logo abaixo encontram-se o Piauí (34,3%) e o Amapá (32%). Já a Paraíba aparece com 10,6% da população nessa condição, número que é inferior à média nacional, mas, de todo modo, inaceitável.

Saindo um pouco dos percentuais, cabe destacar que, dentro da região Norte e Nordeste, em números absolutos, quem tem a maior população passando fome são os estados do Pará e do Ceará, com 2,6 e 2,4 milhões de pessoas, respectivamente. É importante também entender que o Sudeste é a região mais populosa do país e que a porcentagem de pessoas passando fome se encontra abaixo da média nacional. Contudo, em números absolutos, é a região com o maior número de pessoas passando fome. Em São Paulo, por exemplo, 6,8 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar grave. Por um lado, observa-se que o desenvolvimento desigual das regiões se conecta com a fome em maior intensidade nas regiões Norte e Nordeste. Por outro, é em São Paulo e no Rio de Janeiro onde se encontram mais domicílios em situação de fome. Na Paraíba, são aproximadamente 1,7 milhão de pessoas famintas, o que corresponde a 430 pessoas a cada 1.000 habitantes.

A Paraíba, no total, possui gritantes 63,9% dos domicílios em algum grau de insegurança alimentar. Contudo, a distribuição da fome e do risco de fome é peculiar. Apesar de possuir o menor percentual de insegurança alimentar grave do Norte e do Nordeste – 10,6%, e o sexto menor do país –, o nível de Insegurança Alimentar Leve é o maior do Nordeste e do Brasil (42,3%). Já o nível de Insegurança Alimentar Moderada é de 11%.

A renda é fundamental para entender a insegurança alimentar no Brasil. No país, a insegurança alimentar moderada e grave atinge 44,7% dos domicílios em que a pessoa de referência da casa está desempregada ou no trabalho informal. No Nordeste, este número é de 52,1% e no Norte, de 53,3%. As outras regiões do país estão abaixo da média nacional. Este também é o caso da Paraíba, onde a parcela de lares em insegurança alimentar grave e moderada é de 30,4% nos domicílios em que o/a arrimo está desempregado ou na informalidade. O relatório aponta que 20,6% das famílias paraibanas têm ao menos um membro desempregado e, neste quadro, perder serviço formal ou informal por adoecimento agrava o quadro de fome ou de risco de fome. A média, para o Nordeste, é de 21,2% dos lares com apenas uma pessoa da família sem emprego.

Por outro lado, quando o/a principal provedor/a está com carteira assinada, a insegurança alimentar moderada ou grave aparece em 16,7% das casas brasileiras. Na Paraíba, esta condição resulta em 7,2% dos domicílios, proporção que é inferior à média nordestina de 19,3%. Já quando a pessoa que é a principal responsável pelo sustento realiza trabalho autônomo, a taxa de insegurança alimentar moderada ou grave da família é de 24,6% no Brasil, de 33,6% no Nordeste e de 15% na Paraíba. Outro fator determinante da fome no Brasil é a escolaridade. A pesquisa da Rede Penssan aponta que quando a pessoa de referência no domicílio possui oito anos ou menos de estudo, a fome atinge 21,1% dos lares no país. Essa condição é pior no Norte e no Nordeste, regiões em que 32,9% e 28,2% das casas enfrentam insegurança alimentar grave, respectivamente. Na Paraíba, o número é de 19,2% dos domicílios.

A desigualdade da fome é também uma questão de cor. No Brasil, 65% dos lares em situação de insegurança alimentar são chefiados por pessoas pretas e pardas, enquanto 45% são chefiados por pessoas brancas. Contudo, apesar de a Paraíba ter 73,1% de todos os lares, em situação de insegurança alimentar ou não, chefiados por pessoas pretas ou pardas, seria de se esperar que seus números fossem piores.

A fome, na Paraíba, apesar de gigante, pode não ser tão grave como em outros estados do Nordeste, mas ela está aqui. Talvez o fato de 59,1% das famílias paraibanas em situação de insegurança alimentar leve se declararem endividadas, o que é a maior taxa do Brasil, diga algo a esse respeito. Outro fator importante pode ser o de que 64,1% das famílias paraibanas tenham uma pessoa do sexo masculino como principal provedor, frente a 51,2% e 51% no Brasil e no Nordeste, respectivamente. O índice paraibano é o mais alto entre os nordestinos. Como se sabe, a discrminação de gênero faz com que a renda de homens seja mais alta do que a de mulheres. De qualquer maneira, pesquisas precisam ser feitas para se entender o porquê de os números da Paraíba serem, em geral, menos piores do que os do Nordeste.

De todo modo, esses dados sugerem que a fome oculta, sobre a qual escreveu Josué de Castro de forma pioneira, tende a ser uma realidade na Paraíba. Quando a incerteza sobre probabilidade de conseguir se alimentar aumenta (insegurança alimentar leve), a qualidade dos alimentos consumidos tende a diminuir, ampliando a deficiência silenciosa de nutrientes e micronutrientes. É o aumento do caldo do feijão e diminuição da quantidade de grãos para “render”. É a substituição das carnes, peixes e ovos por enlatados e embutidos ultra processados, pele, orelhas e patas – partes anteriormente não consumidas e que podem ser ofensivas, do ponto de vista da dignidade de quem as come. É a redução do número de refeições diárias, como no caso das mães que deixam os filhos dormirem até mais tarde para pularem o café da manhã. A sensação de buraco no estômago pode não existir, mas o corpo sente a falta de nutrição. Se não agora, mais adiante!

A população paraibana de certo já sente esses efeitos e, em breve, o estado também irá sentir, principalmente na saúde pública. Doenças cardiovasculares e hepáticas tem prevenção com a ingestão de uma alimentação saudável. Doenças hereditárias, cânceres mais comuns, osteoporose, demência e esclerose múltipla possuem tratamento mais eficaz com uma alimentação saudável e balanceada. Alimentos mais baratos, ultra processados, podem até ser mais saborosos, mas são sobrecarregados de sal e açúcar: reconhecidamente vilões mundiais da saúde. Com menos saúde, diminui também a capacidade de trabalho – o que é ruim para empresários. Combater a fome e superar todas as formas de insegurança alimentar, portanto, deve ser do interesse de todos os setores da sociedade. O único número aceitável para a Fome é Zero.


Publicado originalmente em: Suetoni Souto Maior



Thiago Lima: Coordenador do FomeRI e Membro Associado do Instituto Fome Zero (ifz.org.br)

Ellen Chaves: Estudante de Relações Internacionais e membro do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI) da UFPB.

Marcelly Ribeiro: Estudante de Relações Internacionais membro do FomeRI

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