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Foto do escritorMirna Lomanto

Combate à sede: de promessa de campanha a prioridade de governo

Por Ellen Maria Oliveira Chaves


Nos últimos meses de campanha eleitoral muitas questões começaram a ganhar mais destaque nos debates. Dentro das propostas do então candidato à presidência, Luís Inácio Lula da Silva, agora presidente eleito, uma das mais importantes foi a promessa de acabar com a fome e a sede do povo brasileiro. Contrariamente, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, durante muito tempo negou a existência da fome no Brasil. Sem se importar com a realidade do país, nega que mais da metade da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar e que 33 milhões passam fome. Essa fala negacionista de Bolsonaro apenas reafirma o balanço dos últimos quatro anos de governo: flexibilização das políticas ambientais, crescimento do desmatamento, liberação de agrotóxicos, crescimento do poder do agronegócio, além do desmonte de políticas públicas de combate à fome e à sede. A pesquisa realizada pelo II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto de Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN) identificou uma relação entre a restrição de acesso à água com a insegurança alimentar grave. Os dados indicam que 12% da população brasileira sofrem com a Insegurança Hídrica e, desses domicílios, 42% também viviam com Insegurança Alimentar Grave, ou seja, são pessoas que diariamente convivem com fome e sede. A maior quantidade de famílias que enfrentam fome e sede se encontram na região Norte (48,3%) e Sudeste (43%), seguido pela região Centro-Oeste (41,8%) e Nordeste (41,2%). A pesquisa ainda destaca que tanto o acesso aos alimentos como também à água própria para o consumo das pessoas dependem, principalmente, de condições socioeconômicas, políticas, geográficas e ambientais. Todas essas condições precisam ser assentadas em políticas públicas, por exemplo, políticas específicas para a construção de cisternas, como também políticas mais estruturais de combate às mudanças climáticas, proteção desses recursos e melhor utilização dos mananciais. Assim, não é possível assegurar a segurança alimentar sem também garantir a segurança hídrica. O povo Brasileiro enfrenta a fome e a sede há anos. Não por questões ambientais, mas sim pela ineficiência do governo em suprir as necessidades dos seus cidadãos. A fome e a miséria, quando a analisamos ao longo do tempo, também fazem parte da literatura. Em Vidas Secas (1938), Graciliano Ramos busca caracterizar o sertão nordestino e dar voz a uma família pobre que, devido à seca e às precárias condições, fogem em busca de sobrevivência, uma vez que ‘‘a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida.’’(RAMOS, 1982, p. 09) Além de denunciar a realidade desigual do homem do sertanejo, a fome e a sede atingem o ambiente rural, região que é constantemente deixada às margens pelos tomadores de decisão, situação que pode ser identificada até hoje. O Programa Cisternas, implementado no primeiro governo Lula, em 2003, foi uma vitória de muitos movimentos e organizações sociais que queriam mudar a visão negativa em relação ao combate à seca para uma perspectiva de convivência com o semiárido. O programa começou a se consolidar e foi um momento de articulação da sociedade civil em parceria com o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente. Em 2013, o programa foi incorporado ao projeto Água Para Todos e também ganhou reconhecimento internacional. Em 2009, recebeu o Prêmio Sementes da ONU e em 2017, ganhou o Prêmio Política Para o Futuro da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD). Essas políticas públicas de combate à sede se destacam por causa do grande impacto nas famílias por meio de tecnologia de baixo custo, grande mobilização social e execução local. No entanto, como podemos observar no gráfico abaixo, a partir de 2015, ainda no governo Rousseff, ocorreu uma diminuição gradativa no orçamento público para a manutenção do programa e foi no governo Bolsonaro que ele sofreu seu completo desmonte. Em 2014, no governo Dilma, foi o ano em que houve o maior número de entrega de cisternas com cerca de 149 mil, em contrapartida, nos quatro anos de governo Bolsonaro não foram entregues nem 25 mil cisternas. A diminuição constante do orçamento significa a falta de tecnologias hídricas para o povo que precisa ao afetar mais de 350 mil domicílios no semiárido brasileiro sem o acesso regular à água potável, isto é, são famílias que vão passar sede por causa da irresponsabilidade federal.




Observamos a importância dos movimentos sociais organizados para a construção de políticas públicas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é um exemplo disso. Destacam constantemente que os avanços do agronegócio no Brasil não só aumentam o desmatamento como também exacerbam as mudanças climáticas. Lutando contra esses crimes ambientais, o MST vem como uma resposta para a recuperação de áreas ambientais, diminuindo os efeitos das mudanças climáticas para garantir a segurança alimentar e hídrica do povo brasileiro. O objetivo é defender a preservação ambiental, o plantio de árvores e organizar as cadeias produtivas dentro dos assentamentos de reforma agrária para garantir a renda desses grupos. Estão construindo sistemas de produção agroecológicos, para que os camponeses possuam autonomia alimentar e econômica, principalmente dentro das regiões semiáridas e, com o desmonte governamental, a reivindicação da segurança hídrica é fundamental. Assim, a luta dos movimentos sociais junto com a sociedade civil é essencial para assegurar a continuidade de políticas públicas para acabar com a sede e a fome dentro do Brasil, e para sermos referência internacional no tema. Será preciso, também, cobrar o novo governo federal para que as promessas de campanha sejam, de fato, uma prioridade real.



Ellen Maria Oliveira Chaves é graduanda em Relações Internacionais e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB (fomeri.org)

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